Sunday, August 10, 2008




A questão do fim da Homeostética, ou o seu não-fim, o não saber acabar, ou o fazer do fim um falso fim (qualquer príncipio e qualquer fim são fraudes «elementares») é um dado adquirido - tudo se passa entre unendings e unbeginings. Este texto, que está guardado em Serralves é esclarecedor: x-plica como um manifesto a multiplicidade e ambiguidade dos pontos de vista









(Outono 1986)







Marmóreo Odeon.

0s gatos fazem ron-ron.

O artista está apático e não olha para absolutamente nada.

Em baixo ouvem-se murmúrios de máquinas de lavar.



Uns suspiram - se isto fosse tudo um espelho falso a esperar uma princesa falsa...



Acordo e vejo um pecterodáctilo junto à janela.

Esquecer, esquecer - diz António.



O fim da Homeostética é um letreiro numa palmeira (Homeostética finis - cultivada em portugal)



Uns dizem que não que isto não acabou, outros dizem que sim - "finalmente em decomposição o cadáver desse amadorismo idiota"! Outros chegam tarde e não dizem nada.Calam-se.Há quem se desate a rir.



Sempre que escrevo poemas uso "Splendor" (esponja de brilho instantâneo).



Talheres e garrafas de Vodka.

Mendonça sente-se mal e diz que vai vomitar,corre para os lavabos,simula ruídos,depois diz para si "sou uma fraude", mas podia ser uma pessoa intiligente.



AS pessoas vão-se tornando cada vez mais sérias.Arranjam empregos.Compram casas. Trabalham e preocupam-se com quase tudo –têm discussões sem qualquer espécie de paixão, são cruéis na gramatica.



De resto estão quase mortas.

Salivam e fumam cigarros. Depois passam a ter discussões com motivos verdadeiros e chegam a entusiasmar-se, a ter vontade de partir tudo.



Não há nada mais ridículo do que a arte moderna? Moderna hoje:

uns procuram as perucas de Velasquez,outros os patins de Minie,

outros ainda os reflexos do dólar na estatística do mercado, e

finalmente chegam os servos do platonismo que voltam a atacar com as estruturas e a linguagem

- tudo isto me soa a chita!

Thursday, March 20, 2008

Barata, o Intolerante

Sob a influências de Fernando Brito escrevi algumas frases que não «subescrevo» (nem «subscrevi» senão no modo irónico), do género «o motor da homeostética é a intolerância» (a frase é literalmente dele, no manifesto aqui reproduzido!), assim como o manifesto em que se diz «Morte à Pintura, coisa de vermes!» - era uma reacção irónica e salutar ao mercantilismo post-moderno e às falsas tolerâncias da nova fase do capitalismo... estavamos em 1985. Os anos 90 foram a versão fardada e sem ironias de alguns desses pressupostos . Zizek fará uma apologia da intolerância, e hoje advoga um retorno ao òdio paulino como receita «marxista» contra a o papão hiper-capitalista. O que é bleurk! (hoje não estou com tempo para argumentações!)







Fernando Brito foi o meu inspirador nihilista-totalitarista (é estranho como nele uma coisa é indissociável da outra) - e nalgum sentido sempre estive no outro lado como anti-nihilista e anti-totalitarista. Foi graças a ele que criei uma vasta legião heteronimica... depois de jacqes pastiche surgiu «Augusto Barata», um personagem que também é do Brito. Dele escrevi em 1986 estes falsos aforismos:











OS CADERNOS DE AUGUSTO BARATA


(1937 – Pampilhosa da Serra)


divisas

Le talent de bien-être

La revolution avec le bon goût

L’Etat c’est le foie gras


notas


Sou um déspota do bom-gosto – eis a minha perdição!

O bom-gosto assenta sobre um vazio total, num desertamento de ideias e sensações.

Deve-se, como tal, conhecer muitíssimo bem a sua anatomia. Há que ignorar as vísceras e amar quer a estrutura, quer a pura exterioridade, como se nada mais exista.

O bom-gosto é o simulacro de uma utilidade que deixou de ter sentido. É a aura dessa perca de sentido – o seu fantasma, o seu rasto que em paradoxo se mostra, que está ali, que persiste, que se intromete na realidade com o mais cínico realismo, com a mais cruel crueza.

O drama do bom-gosto é o tudo já ter sido feito. Pior – é o tudo já ter sido refeito.

O bom-gosto é como tal uma persistência do feito e do refeito (do rafeiro) sobre o que se está a fazer, sendo o que se está a fazer um mal-entendido e um estado de ignorância relativamente ao que já foi feito.

Assim como o feito se refaz no refeito é inutil pensar que há algo por fazer. Quero com isto dizer que é absurdo pensar que há algo capaz de se expandir para além deste círculo vícioso. Como absurdo que é, e lógicamente, como resistência do bom-gosto, este círculo expande-se como vício.

O por fazer, o devir deste culto que é a arte, radicaliza-se na expansão de uma viciosidade, para além de todas as mortes, para além da morte incessante da arte, para além da incessante arte de morrer.

Devir do vício. Devir do incessante. Devir da morte.

Ou – devir do absurdo, do inútil, do supérfluo, do vazio.

Em suma – DEVIR DO CAPRICHO DE UMA DITADURA DO INÚTIL.

O que me faz insistir numa das minhas divisas – AMO AS DITADURAS PORQUE SÃO INÚTEIS!

Senão amaria a inutilidade por ser ditatorial.

Ser ditador é ser um escravo do inutil, ser o seu mais humilde servo, ser o cão dos seus caprichos.

O despotismo do inutil surge sob a forma de uma impossivel racionalidade.

O inutil é o último grau de uma racionalidade implacável.

O inutil é o fim da escadaria da racionalidade, do colossal zigurat da racionalidade. Do topo desse zigurat as razões parecem mesquinhas, meros suportes de um sonho desmedido.

A medida das medidas é a Desmesura.

A Desmesura não é de forma alguma uma ausência de medida, uma sem-medida, um monstro brutal que introduz a caoticidade.

A medida das medidas é sómente a medida junto da qual todas as medidas são pequenas. Exactamente a medida com que todas as medidas têm de se medir.

A Desmesura é o que medita e premedita a excelência do Inutil – a sua hierarquia.

O comunismo é a redução ao útil. Pior, é a negação das hierarquias e como tal a supressão da racionalidade – uma concessão aos idolos, ao fanatismo, à fé.

O sonho do comunismo é a redução ao sempre-pequeno, à mediania dos sonhos, à mediocridade, à mesquinhez.

Pergunto, amigos, a quem pode interessar a mediocridade? – aos comunistas!

A grande diferença entre o util e o funcional – o util utiliza-se e o funcional funciona. O util é para as massas. O funcional é para a instrumentalização das massas ao serviço do Inutil.

A Glória é sempre algo que é pouco. A aparência da Glória é uma virtude. O ocultamento da Glória é a virtude suprema.

Por isso mesmo o depotismo, o verdadeiro depotismo, exige a ocultação da glória.

Só quando a Glória está enfraquecida é que vem a aparência da Glória. E com a aparência da Glória os seus demagogos (actualmente esse anão da politica e do pensamento que é Hitler).

Finalmente vêm aqueles que dizem possuir a Glória – fantasmas de uma decadência, de um miserabilismo de expressão, de uma pobreza de Alma.

Os que dizem possuir a Glória são como cães que ladram quando vêem um estranho. No ladrar não há eternidade. Os estranhos afastam-se.

O verdadeiro poder parece e é Inutil. Por isso ele é poderoso.

O falso poder fala do útil. Por isso ele é venenoso.

O que tem o poder cria os modelos. Os que são efeitos do poder executam os simulacros.

O Inutil trai-se constantemente a si mesmo e não necessita sequer de se afirmar através da fidelidade à verdade. A verdade é esse trair-se.



MANUAL DE TRAIÇÕES



traição primeira

Só na apresentação a verdade tem lugar.
Só no ocultamento da apresentação a verdade tem lugar.

traição segunda

Um edificio tem um interior e um exterior.
Uma pintura é uma falsificação e um segredo.

traição terceira

Uma obra de arte é que nela vai dito.
Uma boa obra de arte é a que trai constantemente o que nela vai dito.



O que o artista sabe é muito mais não só do que diz, mas de tudo o que pode dar a entender. Ser espectador é saber deixar-se ser traído.

Friday, March 07, 2008

autoria, singularidade, originalidade

os 3 inimigos publicos do post-modernismo «marxista»

a autoria, como já vimos no post anterior é o garante da consciência, da imanencia, da responsabilidade e de alguma afectividade ( há autores que amamos e outros que detestamos ou achamos pirosos, mesmo que sejamos «injustos»)

a singularidade da obra de arte? não é o mais relevante - mas a massificação? caramba - no fundo a singularidade da obra é uma «presença» (mesmo quando falsificada) de um autor que amamos - as reproduções de Mondrian não lhe fazem justiça, nem sequer boas cópias, os quadros de Malevich pintados por assistentes eram muito piores, e quanto ao urinol de Duchamp... é uma peça quase tão aurática (e «fetichista») quanto a Mona Lisa... quanto mais reproduzido mais aurático...

a originalidade? é um mito... e aí estou de acordo... é no fundo a singularidade do autor como gestor de influências, citações, pastiches e outras tretas... mas se for realmente «original», criativo, «bom»... que venha a «originalidade»... não é nenhum monstro a combater...

é claro que coloco estas três «virtudes» dentro de uma prespectiva crítica, heteronimicamente falando - sem caír na ideia clássica da obra «perfeita»

a arte é uma coisa que torna a vida mais intensa, como uma especiaria, não é uma receita para fazer «revoluções» - mas pode ser muito mais do que isso...

o «autor» - ou a tal pessoa que dá o corpo


em 1979 Foucault complementou com outros argumentos na conferência «o que é um autor» uma já antiga e emblemática conferência de Barthes sobre a «morte do autor»


a operação de Barthes (e em parte a de Foucault) não é muito diferente de um dito de Duchamp (ce sont les regardeurs qui font un tableau) - no fundo é destronar a imagem oitocentista e «castradora» dos grandes autores e reivindicar o direito, e o prazer ,de usufruir mais «aprazívelmente» o texto (penso em Barthes, o hedonista, e não em Foucault, o «estoico»)


confesso que a cultura do copyright me «constrange» um pouco (citar, parodiar, pastichar, remontar, re-escrever é fixe), mas trata-se de um puro exagero atribuir tantos nefastos efeitos ao «principio funcional» que Foucault atribui ao autor. E inquieta-me o final do texto - «o autor não procede a obra?»... então de onde vem a obra? De uma máquina? De um rumor anónimo? De um mundo que anonimamente fabrica coisas? Ou «o autor é uma figura ideológica graças à qual ser conjura a proliferação do sentido»? Uma «figura ideológica»? Não, a questão do poder do «autor» é apenas a do efeito de o que é, ou foi uma imanência. Uma «figura ideológica» é uma péssima desculpa e uma essencialização do que é um mero acto. Depois temos a parábola da circulação na «absoluta liberdade» do anonimato, a ideia-terror da desterritorialização absoluta a contrapor à ideia «burguesa», menos territorial do que se imagina, da «propriedade» autoral.


E então vem o grande final: «Todos os discursos, qualquer que seja o tratamento que se lhes imponha, desenvolver-se-iam no anonimato do murmurio. E já não se escutariam as estafadas perguntas - "Quem é que está mesmo a falar? É ele, deveras, e nada mais? Com que autenticidade ou originalidade? E o que é foi expresso de mais profundo no seu discuro?". Escutar-se-iam outras perguntas como estas "Quais os modos de existência deste discurso? Quais são os lugares reservados para possiveis sujeitos? Quem pode cumprir essas diversas funções do sujeito?". E por detrás destas perguntas não se escutaria mais que o rumor de uma indiferença. What difference make who is speaking?»


Que diferença faz quem fala? Pergunta Foucault. E a resposta em aberto é a de que faz «toda a diferença». Como também faz «toda a diferença» quem escuta e o que se escuta. A questão está exactamente na intensidade não só do produzido e da recepção, mas de quem dá o corpo na produção. Há uma espécie de apelo a uma indiferença generalizada que abre caminho para uma burocratização das significâncias. As questões interessantes que Foucault coloca burocratizam efectivamente o «texto» ao considerá-lo como dispositivos, mecanismos, transitos de linguagem, modos de coexistência eristica de poder,etc. É certo que a figura do autor obscurece e cega grande parte da percepção da obra... mas a alternativa seria caír ou numa rede formalista ou numa espécie de fiscalização ideológica (as aborrecidas genealogias de ninharias que os foucaultianos geraram), não muito longe de uma lógica de denuncia.


Longe deste filão está a frase de Artaud (um autor?) quando diz que é o estado do seu corpo que fabrica o juízo final. Ou de muitos casos menos apocalipticos (o filão Fluxus) em que a arte é a vida, com ou sem assinatura pespegada.


Bakhtine voltou a sublinhar alguns anos depois de Barthes e alguns antes deste Foucault que o esquecimento progressivo dos autores (depositários das palavras dos outros), leva ao anonimato e à monologização... no fundo, ao totalitarismo, que Bakhtine tão bem conhecia... a autoria é o garante de um estado «vivo» não fossilizado da linguagem, e da possibilidade de dialogo e da politonalidade discursiva... e consequente relativização (auto-parodia, ironia, etc.) da autoria, uma vez que é através desta que várias vozes falam...


o autor é consequência de uma «nominalização» da cultura, oposta à ideia essencializadora de que é são as linguagens ou outras estruturas que falam - mas sem faladores não há linguarejar -


o autor é uma imanência impura e defeituosa, um híbrido que também se deixa falar um pouco, mas que não é necessáriamente nem efeito, nem passividade, nem autenticidade - o autor literário é mesmo o desfazedor das hipocrisias da «autenticidade», um puro e «honesto» dissimulador (e vemos isto em obra nas peças de Shakespeare e tantos outros)


é claro que há situações de colaboração autoral que são ferteis, mas toda a autoria é precisamente uma colaboração com autores «contemporaneos» e com outros que os precedem e que não andam para aí a pastar nos mass-media


a autoria é algo que não podemos dissociar da consciência, por mais dificil de determinar que seja, por mais voluvel, voluptuosa, caprichosa e metamórfica que ela nos surja (e ela surge-nos tanto assim!) - a consciencia torna tudo contemporaneo, ainda que seja assistida por uma «consciencia histórica»


sonhar com as virtudes da indiferença e do anonimato é abrir portas demasiado obscuras - mas os autores Barthes e Foucault acabam vingativamente por regressar com os seus «imponentes» e fantasmagóricos nomes

Thursday, March 06, 2008

bakhtine, consciencia, imanência e carnaval


foi o Ernesto de Sousa que me introduziu ao Bakhtine - li o Rabelais e o artigo da Kristeva, e mais tarde a «Estética da criação Verbal»


o Bakhtine era na altura complementarizado com o Saussurre dos anagramas editados pelo Starobinsky


«Historicidade. Imanência. (...) Toda a palavra (todo o signo) dum texto conduz para fora dos limites desse texto. A compreensão é pôr em relação um texto com outros. O comentário. Dialogicidade desse pôr em relação. (...) A dialética nasceu do dialogo para regressar ao dialogo a um nivel superior (ao diálogo de pessoas). (...) Monologismo hegueliano na Filosofia do Espirito.»


Hei-de voltar a Bakhtine - no fundo a consciência é imanência, e a imanência é a de um «autor» que com a (auto)reflexividade e a relação com os outros ( mais do que com um abstracto Outro - trata-se de outros que também são imanentes) acaba por ser carnavalesca (feita de dissimulacros, de papeis híbridos de hetero-autorias).


O romance e a tradição menipeica (cínica/sofística) desmontam os circuitos de poder-reconhecimento-dialética de Hegel porque encenam as consciências carnavalescas e livres desde o ínicio - Antístenes e Diogenes não reconhecem nenhum senhor e não precisam de ninguém que os «reconheça» senão como personsagens da cidade. O parasita, o pária e o oportunista também são herois éticos que surfam entre patronos - é o quie se passa no Satiricon. Etc.


É com Bakhtine que temos que pensar os apocalipticos da arte - Hegel, Mondrian, Reinhardt, e perceber como a ideia da «morte da arte» ou da do autor é uma consequência do monologismo e da velha dialética. A que poderes é que isso serve?

Friday, February 29, 2008

Thais segunda Saint Satie








Nesse tempo os anacoretas estavam muito povoados de deserto.


As cabanas enchiam-se de bacanos que curtiam retirar-se do mundo.


O Nilo era um laboratório filosófico para solitários.


Era uma época em que até o rosa era uma côr esfingica.


As palmeiras erasm abanadas por mãos sequiosas de se libertarem de uma treta qualquer.


As vanguardas russas estavam atentas ao longe com os seus manifestos aguerridos.


Mas havia muita folha de ouro em comum nesta distância de encenar o sagrado ou cuspir-lhe veentemente

INFRAÍSMO (esboço)





A abstracção é uma forma superior de dissimularmos a nossa entusiastica iconofilia – as formas estruturantes (simples) são propulsoras da propensão imaginal e não suas adversárias – a abstracção, assim como as teorias mais «imaterializantes» da prática artistica são como açucar que adoça as práticas ditas representativas. Por isso nos entregamos ao ardor teórico, à abstracção, aos derivados da tradição do ready-made e à escultura presentista ou social.

A nossa franquesa cínica (na tradição de Diogenes - ou na do tantrismo mais extremo) é filtrada quer pela lógica sofística do prazer da refutação e da ilusão, e por sua vez orquestrada pelos prudentes hálitos pirronicos (por uma desconfiança em tudo, sobretudo nos aspectos mais exebicionistas e infrutiferamente contestatários do cínismo) – no entanto estes três modos supostamente incompatíveis estão em latente estado explosivo, como se o cínico-canibal que há em nós quisesse cuspir e grunhir na oratória do sofista e morder/devorar as balofas canelas do apático cepticista.

Há um vortex conceptual que é subjacente ao badalhoquismo (espontaneidade) formal da prática. Esse vortex é resultado de um excessivamente excitante entusiasmo teórico.

Acreditamos na eficácia das formas por parte de quem as usa – sdeja ele criador, seja um utilizador – mas não acreditamos na eficácia simbólica estrita.

A Iconologia, como disciplina que atribui sentido ao vai-vem entre as inclinações teóricas e uma tipologia de imagens é bem mais adequada à abstracção do que às velhas damas panejadas.

Utilizador-manipulador-criador – a relação pessoalizada com as formas/fluxos/vortex-conceptual não é desinteressada nem contemplativa – as formas são ferramentas que utilizamos para intensificar os nossos animos, para clarificar e ginasticar o nosso corpo-mente, e fazer fluir magestosamente as subterraneas correntes da criatividade.

Globalizamos singularizando – o nosso environment reincorpora o que há de palaciano no passadismo e filtra quer as àguas extremas da modernidade e os residuais charmes do periferismo – mas não nos extasiamos sempre com a condição suburbana. Não temos complexos quanto à nossa tradição que vem do fundo pré-histórico, não como um vingativo fantasma, mas como uma arte de polir e de ser claro.

Somos infraístas porque a nossa concepção do absoluto é anti-transcendentalista: somos materialista, pluralistas e militantemente anti-totalitários. Gostamos da linguagem filosófica, quer da enxuta, quer daquele que assenta bem com escabeche retórico. Gostamos das pulsões guerrilheiras e dos marotismos, assim como da àcida provocação – mas somos essencialmente doces, e polilíricos. Apologistas retóricos dos grandes feitos, somos pragmatistas das pequenas coisas – sem snobismos e pretenciosismo pindéricos, nem concessões ao grande hipercapital.

Saturday, February 09, 2008

a «morte» da «morte do autor»


A sintaxe é o desejo, a articulação posicional, as relações explicadistas (de variada intensidade e interesses) que a linguagem tem. Não concordamos com Nietzsche nem com Cage quando estes dizem que «não nos livramos de Deus, enquanto não nos livrarmos da sintaxe», nem de que esta é meramente um «exército». Não concordamos com Heidegger quando este nos reduz a simuladores do que potêncialmente está na linguagem. Não há uma linguagem estanque. O alemão foi umas lingua que se fez e se está fazendo num sentido que um dia não será alemão. O idioma grego foi muitos idiomas, e os filósofos são reféns dos seus calões locais mais do que diccionárias etimologias o-mais-antigas-possiveis. Por fim Barthes, Lacan, os estrturalistas e os post-estruralistas. «A linguagem obriga a dizer»? É fascista? O autor morreu? Ou este tipo de teoremas é a mais vasta encenação de uma tese inconsciente que indentificaria o fascismo da linguagem com a morte da criatura que dá o nome e o corpo por uma coisa chamada «autoria»? Há um fundo nazi na mais simples noção da «morte do autor». Não será esta uma consequência lógica do que estava em marcha em Auchewitz e que foi tão bem antecipada nas orgias dos romances de Sade. Quem foi o autor de toda esta máquina de aniquilar identidades? Ou a «morte do autor» não passa de um chavão simbólico usado para desacreditar e suprimir diversos modos de explorar singulares modos de imanência – a vontade de ser mais qualquer coisa do que uma remontagem de clichês e estruturas (um relativo remix) – há alguém ali! Por isso gostamos de autores com biografias sensíveis e lamechas e não de Foucault ou Blanchot.

Tuesday, January 29, 2008

apontamentos para a teoria da homeostética de Doxa/Paradoxa (circa 1985/6?)



DOXA/PARADOXA

1

Considerar-se-á a teoria Doxa/Paradoxa como um campo lógico ao qual se articulam as seguintes teorias:
1. Ângulo Recto
2.6=0


DOXA EST IN PARADOXA
PARADOXA EST IN DOXA

Deveriamos começar com algumas citações de Górgias:

1. A seriedade do adversário deve-se destruir pela brincadeira e a sua brincadeira pela seriedade.


2.Nenhum retórico ou filósofo defeniu até hoje o Kairos, nem mesmo Górgias que foi o primeiro que tentou escreveu sobre esse assunto. (comentário pejorativo de D. de Halicarnasso)


3.O Ser seria invisivel se ele não fosse retomado pela Doxa, e a Doxa inconsistente se não apreende o Ser.


4.Os mitos e os acontecimentos têm Apatê, e aquele que ilude é mais justo do que o que não-ilude, e aquele que aceita a ilusão mais sábio que o que lhe resiste. Aquele que ilude é mais justo porque realiza o prometido, e o que é iludido mais sábio, porque deixar-se enredar nos prazeres do discurso (Logos?) prova que é dotado de sensibilidade.


5.Nada há(é). E se é, é desconhecido. Mas se o é é e se é conhecido não se expõe aos outros. Ou. Nada é. Mesmo que seja o homem não o apreende. Mesmo que apreenda não é comunicável nem explicavel a outrem.


A obra de Górgias é em si um programa precursor. A linguagem não repousa nas suas aporias ou num indizivel, os seus fundamentos são sempre paradoxais, logo não são verificáveis, que o diga Godel. Górgias continua o paradoxo de Epimedes aplicando-o a toda a linguagem e aplica os paradoxos de Zenão contra Zenão. Mas indirectamente, porque ao levar a Tautologia de Parménides às ultimas consequências, isto é, ao paradoxo, deslegitima Zenão legitimando os seus argumentos.

O Asco e o Compromisso (1986)


Em anexo aos textos anteriores este dilema pequeno-burguês do compromisso e incoerência Homeostéticos


Prefiro o cheiro a Snoopy que o cheiro a pseudo-Snoopy /

o exageradamente querido ao querido com pretenções intelectuais /

o ranço dos comerciantes à etiqueta das calças do galerista

– e mesmo assim /

porque não vender uns quadrinhos /

pactuar e porque não com os espiritos do esgoto /

vêr publicitado o inexistente – Me /

ufa ufá!

movimentos de arte segundo a Homeostética (1986)














DE ALGUNS MOVIMENTOS DE ARTE

Conceptualismo – simulacro da ideia enquanto ideia, hospitalização neo – platónica de uma pseudo- epistemologia de raiz artística.

Arte povera – snobismo do material enquanto materialismo snob.

Minimalismo – anacronismo da industria como arte, asneiras da diferença enquanto escala, imbecilidade da repetição enquanto contéudo.

Land-Art – piqueniques para intelectuais pequeno-burgueses.

Happeningues – saloiada

um manifesto de 1986


Encontrei mais um manifesto homeostético já passado a limpo e do qual tenho o manuscrito e que não está entre os manifestos "completos"

EX – CURSÕES HOMEOSTÉTICAS

(1986 )

Contra o neo-construrivismo: a propagação decadente de um modelo esvaziado. O último atalho da metafisica, radicado na estética da incumensurabilidade, na arké, do significante. O neo-construtivismo é um deserto nihilista, anti-artístico, baseado nos critérios do não-dispêndio, da retenção do ser interjeccional, num narcisismo sem rasuras e sem corpo – como tal é objecto como o são todas as coisas relativas á essência e ao ob-jecto.

Educação espartana – a flexibilidade e a força de uma disciplina! De uma guerra subtil a todos os artistas instalados no sue trabalho hipnótico, escasso, balofo, vivendo da indisposição para o Entusiasmo da arte. Por isso opomos o músculo, a vertigem diária de uma ginástica, o horizonte de um inimigo permanente, multiforme, qual monstro oriental que perpétuamente é atingido e que perpétuamente se transforma.

Este músculo nómada que constantemente funda (dá fundo), novo Alexandre, devastando e infligindo uma marca duradoura às Àsias artísticas – novas capitais desta purgaturial muscularização.

Não deveremos nós recusar a mais ignóbil das prostituições: a assinatura?

O estilo – se o estilo é essa excessiva proeminência das saliências e das pregnâncias então sou um idolatra do estilo, um praticante dos seus mistérios, um cultor dos seus segredos. Porém há que levar mais longe o estilo como sua dissolução acentuando ainda mais as suas convexidades e concavidades, aumentando o delirio das diferenças, retendo as guerras e os impetos. Esse estado explosivo e cruel é porém uma criatura minuciosa, apta às vezes para as mais espetaculares economias assim como para os faustosos dispendios.


Contra o estilo – contra os cultores monológicos, o emprobrecimento, a redução ao minimo. O estilo é positivo porque reduz ao máximo as interjeicções. O estilo como o hábito é a pior das domesticações: há um tempo para o estilo, mas toda a perpetuação para a eternidade é um nojo. Só chegam à posteridade os estilos que a recusam.


A posteridade – se somos inevitavélmente proféticos isso não resulta de um desejo de assentarmos nessa futuração: pistas são pistas e o que vem é sempre outro. Eis uma das razões para essa in-disposição do futuro. A nossa disponibilidade para o futuro é o ser contra a posteridade, isto é, o sabermos a radical não posse que é o devir.

Quem teme enfrentar os problemas modernos? Os artistas modernos nas suas luxuosas colmeias vivem a letargia do trabalho de abelhas que não conhecem a luz do dia, nem o pólen. Como não trabalham nesta uraniana paz a ruina das flores vai sendo inevitável. Detêm-se hipnotizados pela compactidão do conforto. O homeóstético sai para as clereiras, dorme ao relento, constrói pequenos abrigos – não teme a doença, a fome, as catástrofes, porque kairos o conduz.

Ainda o estilo – A radicalidade da desmesura entendida como obsessão: o grande compasso estílistico homeostético. Desmesura nas mais infimas orquestrações.

O estilo não é a interjeição domesticada por um código, mas o “polemos” entre interjeição e os códigos. (oposição entre a noção clássica de estilo e a homeostética)

Não temos pressa do Novo, nenhuma ansiedade: somos vagarosos – o Novo encontra-se apenas nessas minuncias temporais.

Que idealismos! Que canduras! Que friquismos! – exclamam os maquínicos detractores da homeostética, palitando os dentes. Mas de que necessitam os nossos daimones mais que esses dinamismos, essas canduras impetuosas, essa errância despreocupada. Os deuses favorecem esta nossa aventura, só fora dela estaremos expostos à suas inclemências. Perante a sua consumada impotência os espectadores retorcem os seus tediosos grunhidos.

O erro – é fugindo que nos encontramos (sic): não é o equivoco um dos nossos principais motores?

Monday, January 28, 2008

was ist artephysis?


artephysis é o «segundo» termo homeostético, indissociável da palavra homeostética -

regra geral pensava-se a arte na sua relação de «imitadora» da natureza, ou, na perspectiva mais esteticista e paródica de oscar wilde, como uma percursora do que é possível vislumbrar na natureza - segundo o canudo heideggeriano ou braudillardiano, a velha tékné torna-se incontornável e o seu incontrolável poder hiperrealiza-nos, tornando-nos um dejecto do seu assombroso poder - mas o troglodita, apesar das próteses, continua a fazer das suas (mesmo quando o planeta encena o seu HARA-KIRI!)

na perspectiva homeostética a coisa é diferente - a physis (traduzível ou «intraduzível» pela mais acessivel noção de natureza) é já arte, no sentido vasto em que esta é uma pulsão-produção poética e também um modus operandi - de certa forma os nossos terríveis recursos tecnológicos são mais uma manha que a physis encontrou de explorar potencialidades de um modo mais directo, ou se preferirem, mais perverso.

A homeostética surgira assim como algo que instiga essa caracter exploratório presente na artephysis introduzindo equilibrios e desiquilibrios, simplificações e complicações - no fundo trata-se de gerir um apetite metamorfico, de abraçar a diversidade e a complexidade com alguma economia e funcionalidade.

Por isso mesmo a Homeostética procura multiplicar os pontos de vista sem se reduzir a um ecletismo - serialização pluralista (e sincretista-eristica), como em Fernando Pessoa? Claro. Mas também algo como uma arte homeopática, não apenas no sentido em que a arte, como boa vigarista ou vulgar terapeta (feiticeiro ou médico encartado), curaria «você», mas um passo mais à frente de uma consoladora beleza, ou saúde, ou felicidade. Não se trata de aperfeiçoar, nem de melhorar, nem de superar, mas de levar o caracter lúdico da artephysis a intensificar mais e mais as suas possibilidades.

Os primeiros apontamentos sobre a artephysis não passavam de pretenciosos apontamentos que foram reconvertidos 20 depois. Damos aqui em excerto (longo!):




Le soi-disant orgão genital do movimento neo-canibal
(1982)
mais tarde
(1983)
convertido no dito cujo Movimento Homeostético



Irmãos inumanos: a grande saída do já velho impasse estético-ténico-artístico repousa (graças à sua dulcíssima agitação secreta) na physis (vulgo natura), esse espectro da fecalidade ( dejectísmo-abjeccionismo) que as leis da termodinâmica põe em ebulição como pastel em arrefecimento nos arredores dos arredores.

E o que é a physis ((a natura desnaturata)) ?

Dirão: é a balbúrdia na classificação e a categorização das excepções, isto é, o movimento sob o qual Heráclito dorme no seu sono de estrume heroico!

Não defenirei (isso jamais!) a arte senão como variante de defenições poltronas que nos temeram preceder. Ousemos criar os nossos tímidos percursores colocando bombas debaixo das suas doces estátuas!

Por isso passo a bola à artephysis! (?)

E o que é a artephysis?

A zona erógeno-vegetal-animal do pensamento onde se processa toda a criação (na sua vastidão gloriosa digna de ser filmada por mr. De Mile)?

A glândula onde a complexidade encontra a sua imagem genésica ou primordial com parra a esconder o exibicionismo adamico já que a Eva nada tem para esconder?

E esse primordial é neo-complexo? É uma reorganização? É uma fraude? É uma conspiração vagamente neo-nazi? Ou uma boa intenção franciscana com pulgas e tudo?

Alguns dirão: ficção[1]! E porque não? A artephysis é uma concretização da arteficção, uma metáfora cuja imagem é o socialismo estético (em versão de falanstério filosófico-ecologista!)

; é pois pela sua mudança que ele alcança o repouso (Heráclito again and again and again).

A artephysis é o fruto bem maduro do mais cabotino pretenciosismo que acabará por se tornar simpático e digerível com a adaptação perfeita a uma sociedade de inadaptados.

Ela implode em metacatástrofes poligenésicas, caosgenéticas e totoloticogenéticas,

É, quiçá, a superestrutura (juras?) que cede o lugar à poliestrutura (ora méssa!)!

É a Civilização (com a sua propensão para a denegação) que se desagrega em focos civilizacionais interactuantes e bué da afirmativos (Amén!)!

É a individualização colectiva (fim da moda?) processada a um nivel multiforme e hiper-complexo (renascimento de cómicas cloacas locais em diálogo delirante umas com as outras?), e não a individualização uniformizadora de consumidor passivo na era da globalização niveladora (bof!).


Ou ainda a inflação da inflexão (crescendo de pontos de ruptura e de manobras de diversão com comício e carrinhas a vender sandes!)?

Uma verdadeira artephysis (natureza homeosteticada e desdomesticada) é filha destes dois casos clínicos que passamos a explicitar:

a)A crueldade : a crueldade é a intuição (bolchevico-kantiana) no seu estado de máquina de guerra produtiva. Criar implica transformar, logo, implica destruír, sem condescendência, todas as formas panhonhas que atropelam o expansionismo vitalista! (Heil Hitler!)

b)A fraternidade: a fraternidade é a partilha instrumental dos fluxos criativos. No fundo, no fundo, somos todos filhos de um Demiurgo (falhado? morto? falso?), seja de que tipo fôr. Irmãos, como já disse (parafraseando Villon) inumanos, ma non troppo!


Tudo isto devia ser mais explicadinho ainda...

escrever "sobre" arte



a maioria dos textos sobre arte contemporanea, sobretudo escritos pelos seus protagonistas mais esclarecidos, fazem-no no mais inadequado dos modos, como se nunca tivesse existido uma prática de escrita de "vanguarda" que atravessou ao longo do século XX as artes e que lhe esteve intimamente associado - tenho saudades desses velhos críticos e teóricos

hoje, a maioria dos discursos em torno da arte continua a ser feita na mais burocrática e repressiva das formas estilisticas, e a forma de apresentação dos catálogos e outros objectos afins é aborrecida, convencional, etc.

o clichê de que alguém que teoriza empenhadamente sobre arte só o pode fazer hoje (desde há algumas décadas) honestamente tornando-se artista encontra resistência nos profissionais da escrita que ainda julgam que a escrita é um espaço meta-artistico (ou então esqueceram-se disso)

quando leio velhos e "ultrapassados" teóricos (como o Buchloh, a Krauss, o Foster, etc.) falarem do "retorno do reprimido" a propósito de Picasso, Picabia e De Chirico (que na escrita foram suficientemente radicais os três), ou invocarem Bataille como um dessublimador (Bataille que também é precorrido pelo uma pulsão destrutiva que herda de Sade e que é em boa parte um fluxo tanático de total desinibição(/destruiçãlo presente no fascismo)

confesso que tenho saudades do estilo displicente do Cage e do Ernesto, da literatura experimental, da simultaneidade, do seu lado preformativo e divulgativo, da prosa pop do Deleuze do primeiro Anti-Edipo, das polémicas ardentes do Cezariny e do Pacheco, dos textos (mais uma vez!) do Batarda e do Lapa, do Arthaud, etc. etc.

uma história de arte do século XX, e por arrastão, qualquer história de "arte" só tem sentido enqjuanto obra de arte - neste sentido até um Aby Warburg pode ser lido-visto como um artista, ao contrário dos empenhados empresários-curators

por isso há que dar um novo impulso ao projecto revolucionário-revisionista homeostético (o revisionismo homeostético não é um regresso hermeneutico ao passado, apenas faz expandir e reactivar as energias "revolucionárias" adormecidas no sentido de uma maior complexidade e de um progresso mimético-tecnológico (para uma iman^rencia mais imanente)) - é retórica pimba revolucionária mas é tal e qual

Friday, January 25, 2008

filme e budonga


está em fase de realização-montagem-work-in-progress o filme de bruno almeida (na altura um correspondendo-se em Nova Iorque com os Homeostéticos) que será um filme-revelação

ao lado, uma imagem de budonga (uma das budongas rreais!)

Friday, January 18, 2008

fraud after meaning


"fraud after meaning" é uma frase de um desenho que fiz em 1986 - as teorias da fraude estavam no ar por essa altura, de Umberto Eco a Deleuze (veja-se o capitulo, "as potências do falso" no segundo volume de Imagem- Movimento)e à divulgação por Schnabel das Recognitions do William Gaddis - a cavalgada homeostética nas terras carnavalescas e do falso era teórica e fez-se mais do lado nietzchiano (deleuze e derrida) e de certa forma contra Braudillard, ou pelo menos, contra o modo como os americanos "posmodernos" o adaptaram (hoje Braudillard parece-me muito mais simpático)

uma sucessão de heterónimos, desde 85 surgiu-me como consequência lógica de uma teoria instintiva da fraude - no fundo Fernando Pessoa já teorizara mais do que suficientemente sobre o filão shakespeariano das máscaras e sub-máscaras - e de uma relação que é simultaneamente retórica e instintiva (mimética) com que nos envolvemos poéticamente com o mundo

o primeiro desses heterónimos foi Jacques Pastiche no ínicio de 1985, uma espécie de Erick Satie de segunda, e depois vieram Renato Ornato, Francisco Xavier, Karl Otto, Luis Mendonça, Augusto Barata, Aldo, o Marquês de Abrantes dito Eugénio, Julio Rato, etc.

Uma teoria explicita da dissimulação aparece em Francisco Xavier:

DO DISSIMULACRO


O que pro-voca a arte, o seu instinto, é a vontade de dissimulação.


Excluem-se duas hipóteses:
a hipótese mimética (da representação)
a hipótese de uma aporia relativamente ao mimético.

A primeira hipótese diz que a arte vem de um instinto antigo, o de simular.
O de simular um «outro».
O de procurar o acesso ao estranho.
O de tornar conhecido o que ainda não é

– simulações e hipersimulações tornaram-se hoje banais:
tudo pode ser simulado (aparentemente).


A segunda hipótese tem a mesma raíz, mas diz que nada pode ser completamente simulado.

Essa irredutibilidade cria uma margem de não-simulação.
Essa fissura é uma aporia indefenivel (aporia apeiron), sem contornos precisos.
Essa imprecisão ocular é aquilo a que se chama arte.


A nossa tese vai mais longe e acredita que o instinto que está na base das duas hipóteses anteriores é «a vontade de dissimular». Dissimular toma dois sentidos

a) o de adquirir uma aparência secretista, uma estratégia de pudor ou de ocultação.
b) o de criar aparências (representações) que surgem como desvio relativamente ao simulável. Há um desejo de excesso, de estranho (de mais estranho que o estranho), de activação de aquilo que parecia ser uma aporia.


A dissimulação é uma fraude.


«REFLEXO DE SOMBRA DE SIMULACRO DE FRAUDE»



A fraude é o que é passivel de passar por
manhas
ciladas
inumeráveis astúcias


A inacessibilidade da aparência, da realidade enquanto real (inatingivel, irrepresentável) postula o império das representações.


A fotografia (mimetismo sem simulação, ausência de esquematização, ausência dos efeitos do representante) é como tal a maior fraude
- apenas postula a pose
- impõe o desaparecimento do distorsor

Ora o distorsor (representante) é o que garante o acesso à não-fraude – isto é, à Verdade (fraude de fraude).


A fraude de fraude não é um truque de linguagem, ou uma simples enunciação, mas sim o desaparecimento da linguagem, o acesso à sua exterioridade.

Toda a linguagem é fraude.
O que nos sobra para além dessa fraude?
O nada?
O vazio?
O indefenido?

Sobra-nos sobretudo o fraudar e a instancia deste verbo acopulado com o nada, o vazio e o indefenido.


Admitimos com muita facilidade a fraude.

Mas
se a fraude for o motor que acopula os fundamentos
se a fraude for o fundamento dos fundamentos
o mal-estar assoma.

Assoma a partir do momento em que o que é passivel de ser fraude é admitido como FRAUDE.

Quando tudo o que pensamos é fraude o pensamento surge-nos como
um enorme pesadelo, como a impossivel suspensão de uma esfera em eminência de catástrofe.


O «mundo como fábula» de Nietzsche é o mundo como fraude, como interminável falsificação, em que tudo é farsa, em que tudo passa por tudo.

Mas mesmo no interior da fraude há
rasteiras
pequenas fraudes
dissimulações
desvios
fingimentos
arruídos

São pequenas ilhas que legitimam a fraude, que a encobrem, que são relativamente à fraude uma fraude.

O que é que a fraude supõe?
um encobrimento
uma mentira sábiamente escondida
uma arte de (se) ocultar


Destapado o véu temos a verdade nua e crua. O artifício e as artimanhas transparecem – tudo se torna claro!

Dir-se-ia que a fraude não diz respeito à natureza, ao mundo animal, e que não passa de um laboratório de ficções. Isto é falso.

A fraude introduz-se a partir do interior do mundo animal com a simulação, com os variados tipos de mimetismo, com o imitar o Outro ou passar por um outro.

O MIMETISMO ANIMAL É A FONTE DO FRAUDAR

Simulacro de fraude é o que permanece para além do fundamento.

A diferença mais específica (linguistica) entre fraude e simulacro é que o simulacro não pressupõe o ocultamento.

Simulacro é o que se mostra.

Geralmente pensa-se o simulacro em oposição a modelo ou protótipo, a algo que é origem ou originário.

O originário é a FRAUDE, isto é, o simular na ocultação:

simular de um simulacro na ocultação


SIMULACRO E FRAUDE
APENAS SE OPÕE
COMO REFLEXO E SOMBRA


O reflexo é a excelência dos espelhos.
O que devolve a luz.
O que a esclarece.


A polissemia da palavra SOMBRA liga-a directamente à ideia de ausência

falta de luz
opacidade
mistério
segredo
escuridão

O que está na sombra é o que está escondido, que não vê a luz.

A sombra, em princípio, não tem reflexo. Tem tendência em absorver a luz, em guardá-la nas suas entranhas.

A luz «é o que se dá a ver sem se mostrar» (Derrida)


Flectir quer dizer «dobrar».
Re-flectir é uma inecessante flexão.
É a circularidade e o regresso através dessa dobra.
A reflexão faz circular e regressar aquilo que se dá a ver sem se mostrar.
O reflexo é exactamente aquilo que se dá a ver.
Em visão é a parcela de luz que um objecto não retem.
Não é a totalidade da luz.
Os espelhos são os que reflectem mais luz, mais parcelas de luz.
Um espelho não reflecte na sombra.
A sombra é defenível como aquilo que não é reflexo.


O reflexo de sombra parece um paradoxo.
A ideia de que tudo é simulacro ou simulação (fingimento) leva-nos a dizer que o «simulacro é aquilo em que não há fraude».

O simulacro é o reflexo de um proto-tipo.
A fraude é a sombra.
O protótipo é a fraude.
A fraude é o lugar de onde vem a luz – a luz da fraude.
A fraude é aquilo que se dá a ver sem se mostrar.
O reflexo é o que dá a ver.
A sombra é o que não se mostra.
O simulacro é o que mostra. Mostra-se, em referência narcisica e exibicionista, demonstrando o seu protótipo.
O simulacro é o ver para crer.

Quando os americanos dizem we did it, expressam o simulacro consumado.


A fraude, pelo contrário é a grande permanência.
Só regressa à sombra no momento em que é defraudada.
A fraude vive pela sombra.

MAS A SUA APARÊNCIA É O REFLEXO DESSA SOMBRA.


Assim, o reflexo de sombra é a expressão apropriada para a
APARÊNCIA DA FRAUDE


Essa aparência simulada, exibida.
Essa aparência simulada na ocultação.
O que se dá a ver sem se mostrar do que se exibe ocultando.

Saturday, January 05, 2008

vocabulário de novíssimos termos explicadistas


O explicadismo foi e é uma tendência praticada por mim e o pedro portugal desde 2003, do qual há uma quantidade enorme de obras e textos - este vocabulário é desses inícios

Anagoritmo – série de cálculos ou de enunciados que visam evitar um determinado resultado ou uma série deles (matemáticas apofáticas). Da mesma forma existe uma lógica cujos silogismos são encadeados de modo a não deduzirem ou provarem determinados factos, como por exemplo Deus, etc.

Panomia – termo empregue para designar uma multiplicidade de leis de carácter e origens distintos que apesar de por vezes entrarem em conflito em determinadas zonas o seu funcionamento local contribui e para o funcionamento global.

Metamorfisse – representação transicional de formas de procedências diversas.

Kairocronismo – fracção de tempo favorável que se determina em função das variáveis Métis e Enthousiasmos.


Synvalência – propriedade de determinados termos cujos significado além de flutuante é acossado de polivalência (vulgar).


Axiofisismo – encarnação ou adaptação de valores ou axiomas sem que estes necessitem de ser «conscientes» ou demoradamente reflectidos. Pragmatismo delirante ou inconsciente.


Descomplexidade – prática descomplexada de complexidades. Combinatória risomática de sequências stokausticas. Imprevisibilidade imanente a que corresponde uma deliberação aventurosa quer do domínio teórico quer das próprias tácticas.


Homeonética – sistema (raro) capaz de assimilar e entrar em acção nas situações post-paradoxológicas.


Abcisão – capacidade de apreender e traduzir um sistema distinto, mesmo quando estranho ou adverso, utilizando quer a Mimética , quer a análise ou a cópia.


Mimética – noção que une a mimesis à ética. Cada situação especifica exige uma atitude ética distinta. A mimética é uma percepção/absorção epidérmica das complexidades num conjunto de coordenadas espacio-multiversais.


Multicrónica – o que evolui continua ou descontinuamente ao longo de várias sequências temporais sem desaparecer completamente.


Variolética – movimento do pensamento que consiste em multiplicar opiniões, asserções ou teses distintas, algumas vezes contraditórias, outras pontualmente convergentes, sem se dar ao trabalho de demonstrar qualquer relação estrita de vínculo ou adversidade (em oposição à dialética). A Variolética funciona perante uma «tese» como um conjunto de variações musicais: invertendo a tese, alterando o ritmo, a sequência, etc, mas mantendo o «tema» subjacente como núcleo obcessivo.


Refuncionamento – retoma de funcionamento de um organismo que no estado precedente parecia condenado a uma disfunção crescente ou desaparecimento.


Afectivicácia – acção eficaz entendida como suplemento afectivo de um organismo. Regulação desses afectos através da regulação das carências e dos excessos.


Endoirogeno – Erupção erótica num corpo sem causas externas.


Exoirogeno – Clima ou pressão erótica sobre determinado corpo.


Antropia – Conceito da anti-termodinâmica (o universo está em reaquecimento e é não dispersivo, concentrando os seus espaços e as suas energias). Capacidade de um organismo se enriquecer, vitalizar e complexificar sem passar por um processo de entropia/neguentropia.


Caosmocentrismo – Noção (leibnitziana?) de que cada coisa ou «caosmos» se representa exactamente a si mesmo não deixando de representar o resto do mundo (tudo é espelho de tudo).


Alteregoísmo – Propriedade de tornar determinados egoísmo altamente proveitosos para os outros.


Antidade – O que é prévio a um ente. O clima que antecede a sua aparência e é já a sua presença.


Epistemotopias – Os lugares do conhecimento. A epistemotopia explica como é que os espaços, a sua geometria e a localização dos sujeitos determinam a apreensão dos epistemas.


Etnoperiferismo – Tendência da maior parte das sociedades actuais para a desvalorização das suas tradições e culturas locais em função de uma cultura planetária, manipulada a partir de 2 ou 3 centros. Diáspora sem sair do território.


Extraínte – Agente ou mecanismo que rouba a outro sistema as suas propriedades.


Retardação – Propriedade de um sistema se desviar dos fins a que pareceria estar configurado. Estes casos são também ditos fenómenos desteleológicos.


Porosidade – Zonas «fronteiriças» de sistemas complexos onde há permeabilidade ou contrabando, permitindo alterações de diverso tipo quer na «aparência» quer no «interior».


Alavanca – Palavra que designa uma acção forte e eficaz de poder.


Ultrabilidade – Capacidade invulgar de reacção, produção, regeneração, aprendizagem, etc. A ultrabilidade acontece em organismos que aparentam ligeireza e imaturidade. Conformação – Informação que entretém um sistema de forma a que pouco seja alterado (pan e circe).


Heterostasia – Capacidade de um organismo gerir as desordens que vêm do exterior.


Heterosteticas – Estéticas intermitentes e fragmentárias que contribuem para a reciclagem dos movimentos homeostéticos.


Fonogénese – Nascimento por vibração. Ao contrário da morfogénese que designa a cristalização em formas, as fonogéneses diluem-se em ondas cada vez mais fracas. Embora haja uma aparente tendência da fonogénese para o silêncio, ela mantém o mundo num banho sussurrante de micro-ondas. Pelo contrário, as teorias antrópicas consideram que nos inicios é o silêncio e que que os universos estão no caminho irrediável para um ruído ensurdecedor.


Multinstabilidades – É o caso (assaz vulgar) de uma relativa estabilidade ameaçada por várias instabilidade de procedência e tipo distinto. Toda a estabilidade vive e é reciclada de multinstabilidades.


Co-dramatização – Surge quando vários agentes co-organizam/desorganizam um acto de tal forma que esse sistema se consolida e a cooperação é alargada a outros sistemas.


Interdisparidade – Acção em que o heterógeneo é concertado em determinados movimentos.


Retroinacção – propriedade de bloquear ou suspender determinadas retroacções.


Desrepresentação – situação em que os representantes teatralizam metalinguisticamente (e comicamente) a sua própria teatralidade.


Samântica – Ramo da semântica que investiga os sinais premonitórios (advinhação).


Liberomecanismo – Mecanismo de um mecanismo cujas propriedades permitem que se livre do organismo dominador deixando em aberto a possibilidade de uma relativa autonomia ou de associação (ou integração) com outro organismo.


Interarquia – Conexões e alterações de co-relações entre diversos poderes.


Alearquia – sociedade em que as interarquias são extremamente frequentes.


Patática – Táticas com características irrisórias nas quais os adversários são facilmente derrotados graças uma redução ao ridículo.


Vagabilidade – Diz-se de um sistema cujos dispositivos comunicativos não são aparentemente precisos. A vagabilidade tem também um sentido estratégico que designa a propriedade de transmissão aos aos sistemas adversos do menor número de informações fiáveis

Zigurástica – Todos o tipo de cómico-simbolismo proveniente da obcessão por zigurats.


Negantropia – Possibilidade de uma antropia se entropisar, com ou sem neguentropias.


Toleologia – Lógica que permite notáveis avanços graças ao recurso à tolice.


Transindisciplinariedade – Interacção de várias indisciplinas ou de sistemas indisciplinados. A transindisciplinariedade não pretende comprometer-se com nenhuma «compreensão do mundo» seja em que estado for, mas apenas desfrutar poeticamente as complexidades simultâneas que as indisciplinas permitem.


9=0 - Teoria rival e idêntica à de 6=0. Ao contrário desta última, que parte do pressuposto da Doxa do Ângulo Recto ( definindo o universo como cúbico, e utilizando analogias com o I Ching sobretudo na categorização em 64 mutações), o 9=0 parte do pressuposto que o universo é estruturado a partir de estruturas ternárias (o universo equilátero?): é a chamada Doxa do Triângulo Equitativo. Há para esta Doxa analogias com os nove rasas hindus ou com o Tai Hsuang Xing (livro obscuro do sec II a.c. mas só recentemente editado (1995) que estava previsto geometricamente no primeiro dos cadernos doxa e foi desenvolvido por Proença no inicio da década de 90). Existe também o bolismo (a Doxa da Curva Perfeita, desenvolvida por Brito e Vieira) cuja equação é 0=0. Segundo a lógica post-paradoxológica, a estas 3 doxas corresponde a expressão rigorosa 6=9=0.

The Portuguese (segundo Pessoa)









The Portuguese are always making revolutions. When a Portuguese goes to bed he makes a revolution, because the Portuguese who awakes up the nex day is quite different. He is precisely a day older. Other people wake up every morning yesterday. Tomorrow is always several year away.

They go so quick that they leave everything undone, including going quick.


Há algo de anedótico no pensar a cada vez mais irrelevante «sensação» de ser português (de ter nascido por aqui e continuar ainda por cá). Há nestes textos de Pessoa um ar de manifesto, que com ligeiros cortes lhe retirariam aquela enfadonha armadura pseudo-lógica que lhe estrutura processualmente o raciocinio. Vou experimentar aqui um exemplo a partir de uma carta.

What the movement called sensationism is?

We descend from three older movements : French «symbolism», Portuguese transcendentalist pantheism, and the jumble of senseless and contradictory things of wich futurism, cubism and the like are occasional expressions, though, to be exact, we descend more from the spirit then from the letter of these.

a) From French symbolism we derive our fundamental attitude of excessive attention to our sensations, our frequent dealing in
ennui, in apathy, in renouncement before the simple and the sanest things of life.

b) From the Portuguese transcendentalist pantheism we owe the fact that in our work spirit and matter are interpenetreted and inter-transcended.

c) As to our influences from the modern movement that embraces cubism and futurism we have intellectualized their processes. The decomposition of the model they realise we have carriede into what we believe to be the proper sphere of that decomposition - not things, but our sensation of things.

WHAT IS THE CENTRAL ATTITUDE OF SENSATIONISM?

1. The only reality in life is sensation. The only reality in art is consciousness of sensation.

2.There is no philosophy, no ethics and no asthetics even in art, whatever there may be in life. Ideas are sensations. No artist can believe or desbelieve ideas. When he works he either believes and desbelieves, according to the thought that best enables him to obtain consciousness and give expression to his sensation of the moment.

3. Art, fully defined, is the harmonic expression of our consciousness of sensations; that is to say, our sensations must be so expressed that they create an object wich will be a sensation to the others. Art is sensation multiplied by consciousness - multiplied, be it well noted.

4. The principles of art are:


a) every sensation should be expressed to the full, that is, the consciousness of every sensation should be shifted to the bottom;


b) the sensation should be so expressed that it has the possibility of evoking the greatest possible number of other sensations;


c) the whole thus produced should have the greatest possible ressemblance to an organized being, because that is the condition of vitality.

I am no longer what I was in the paragraphs above as I write this.

If I am ever coherent, it is only as an incoherence from incoherence.

Friday, January 04, 2008

note on homeoasthetics


6 = 0 was an exhibition that showed the attitude and the works of a bunch of 6 portuguese artists (Ivo, Fernando Brito, Pedro Portugal, Pedro Proença, Manuel Vieira e Xana) that used to work together in the beginning of the eighties under the denomination of Homeoasthetic Movement – the group was characterized by an assumed old-fashioned and consciously peripheric neo-neo-dadaist spirit, with lots of half-folkloric and fake-revolutionary manifestos, giving unending performances of bad-pop-music or cagean concerts to wash-machines and castagnols, making more or less oniric super 8 movies, publishing ugly ironic magazines and painting also super-large-scale paintings. The notion of Homeoasthetics, if there is such a thing, is an aesthetic of Complexity, which integrates the ambivalences and the incongruence of life, in a dynamic process that tends to a revolucionary/reaccionary equilibrium (what a hell is that?). 6 = 0 means that the universe is perhaps a square and that the sum of all the 6 members of the group annihilates the unity. Their theatrical and ironic way of behaving was not suitable to the very serious local art world, and great part of their works, photos and theoretical statements was not available before. In the opening of the show there was a war tank and authentic soldiers from the period of the Portuguese Revolution at the entrance of Serralves Foundation, megaphones screaming slogans and manifestos in the gardens, a big cow was barbecued, and so on.