Thursday, March 20, 2008

Barata, o Intolerante

Sob a influências de Fernando Brito escrevi algumas frases que não «subescrevo» (nem «subscrevi» senão no modo irónico), do género «o motor da homeostética é a intolerância» (a frase é literalmente dele, no manifesto aqui reproduzido!), assim como o manifesto em que se diz «Morte à Pintura, coisa de vermes!» - era uma reacção irónica e salutar ao mercantilismo post-moderno e às falsas tolerâncias da nova fase do capitalismo... estavamos em 1985. Os anos 90 foram a versão fardada e sem ironias de alguns desses pressupostos . Zizek fará uma apologia da intolerância, e hoje advoga um retorno ao òdio paulino como receita «marxista» contra a o papão hiper-capitalista. O que é bleurk! (hoje não estou com tempo para argumentações!)







Fernando Brito foi o meu inspirador nihilista-totalitarista (é estranho como nele uma coisa é indissociável da outra) - e nalgum sentido sempre estive no outro lado como anti-nihilista e anti-totalitarista. Foi graças a ele que criei uma vasta legião heteronimica... depois de jacqes pastiche surgiu «Augusto Barata», um personagem que também é do Brito. Dele escrevi em 1986 estes falsos aforismos:











OS CADERNOS DE AUGUSTO BARATA


(1937 – Pampilhosa da Serra)


divisas

Le talent de bien-être

La revolution avec le bon goût

L’Etat c’est le foie gras


notas


Sou um déspota do bom-gosto – eis a minha perdição!

O bom-gosto assenta sobre um vazio total, num desertamento de ideias e sensações.

Deve-se, como tal, conhecer muitíssimo bem a sua anatomia. Há que ignorar as vísceras e amar quer a estrutura, quer a pura exterioridade, como se nada mais exista.

O bom-gosto é o simulacro de uma utilidade que deixou de ter sentido. É a aura dessa perca de sentido – o seu fantasma, o seu rasto que em paradoxo se mostra, que está ali, que persiste, que se intromete na realidade com o mais cínico realismo, com a mais cruel crueza.

O drama do bom-gosto é o tudo já ter sido feito. Pior – é o tudo já ter sido refeito.

O bom-gosto é como tal uma persistência do feito e do refeito (do rafeiro) sobre o que se está a fazer, sendo o que se está a fazer um mal-entendido e um estado de ignorância relativamente ao que já foi feito.

Assim como o feito se refaz no refeito é inutil pensar que há algo por fazer. Quero com isto dizer que é absurdo pensar que há algo capaz de se expandir para além deste círculo vícioso. Como absurdo que é, e lógicamente, como resistência do bom-gosto, este círculo expande-se como vício.

O por fazer, o devir deste culto que é a arte, radicaliza-se na expansão de uma viciosidade, para além de todas as mortes, para além da morte incessante da arte, para além da incessante arte de morrer.

Devir do vício. Devir do incessante. Devir da morte.

Ou – devir do absurdo, do inútil, do supérfluo, do vazio.

Em suma – DEVIR DO CAPRICHO DE UMA DITADURA DO INÚTIL.

O que me faz insistir numa das minhas divisas – AMO AS DITADURAS PORQUE SÃO INÚTEIS!

Senão amaria a inutilidade por ser ditatorial.

Ser ditador é ser um escravo do inutil, ser o seu mais humilde servo, ser o cão dos seus caprichos.

O despotismo do inutil surge sob a forma de uma impossivel racionalidade.

O inutil é o último grau de uma racionalidade implacável.

O inutil é o fim da escadaria da racionalidade, do colossal zigurat da racionalidade. Do topo desse zigurat as razões parecem mesquinhas, meros suportes de um sonho desmedido.

A medida das medidas é a Desmesura.

A Desmesura não é de forma alguma uma ausência de medida, uma sem-medida, um monstro brutal que introduz a caoticidade.

A medida das medidas é sómente a medida junto da qual todas as medidas são pequenas. Exactamente a medida com que todas as medidas têm de se medir.

A Desmesura é o que medita e premedita a excelência do Inutil – a sua hierarquia.

O comunismo é a redução ao útil. Pior, é a negação das hierarquias e como tal a supressão da racionalidade – uma concessão aos idolos, ao fanatismo, à fé.

O sonho do comunismo é a redução ao sempre-pequeno, à mediania dos sonhos, à mediocridade, à mesquinhez.

Pergunto, amigos, a quem pode interessar a mediocridade? – aos comunistas!

A grande diferença entre o util e o funcional – o util utiliza-se e o funcional funciona. O util é para as massas. O funcional é para a instrumentalização das massas ao serviço do Inutil.

A Glória é sempre algo que é pouco. A aparência da Glória é uma virtude. O ocultamento da Glória é a virtude suprema.

Por isso mesmo o depotismo, o verdadeiro depotismo, exige a ocultação da glória.

Só quando a Glória está enfraquecida é que vem a aparência da Glória. E com a aparência da Glória os seus demagogos (actualmente esse anão da politica e do pensamento que é Hitler).

Finalmente vêm aqueles que dizem possuir a Glória – fantasmas de uma decadência, de um miserabilismo de expressão, de uma pobreza de Alma.

Os que dizem possuir a Glória são como cães que ladram quando vêem um estranho. No ladrar não há eternidade. Os estranhos afastam-se.

O verdadeiro poder parece e é Inutil. Por isso ele é poderoso.

O falso poder fala do útil. Por isso ele é venenoso.

O que tem o poder cria os modelos. Os que são efeitos do poder executam os simulacros.

O Inutil trai-se constantemente a si mesmo e não necessita sequer de se afirmar através da fidelidade à verdade. A verdade é esse trair-se.



MANUAL DE TRAIÇÕES



traição primeira

Só na apresentação a verdade tem lugar.
Só no ocultamento da apresentação a verdade tem lugar.

traição segunda

Um edificio tem um interior e um exterior.
Uma pintura é uma falsificação e um segredo.

traição terceira

Uma obra de arte é que nela vai dito.
Uma boa obra de arte é a que trai constantemente o que nela vai dito.



O que o artista sabe é muito mais não só do que diz, mas de tudo o que pode dar a entender. Ser espectador é saber deixar-se ser traído.

2 comments:

Anonymous said...
This comment has been removed by a blog administrator.
Fernanda Valente said...

Boa tarde, Pedro Proença,

gostaria de o poder contactar por escrito, será que me poderá facultar o seu e-mail?

Obrigada e cumprimentos.

Fernanda Valente
dasartesplasticas@gmail.com