Thursday, March 05, 2009

re-pré-homeostética (1)


Isto é um revisionismo muitíssimo aditivo de fragmentos de um livro que assistiu à eclosão da Homeostética - o remake diz respeito a agora - é o passado reactivando o já


AS PULSÔES DA ARTEPHYSIS

(prefacio ao infraísmo)


A natureza é mais estratégica do que essencial.

A essencialização é o caminho mais rápido
para as mais ingénuas mentiras.

A semelhança (o homoios) é uma pequena
dissemelhança na identidade que torna a identidade
cada vez menos idêntica.
A Homeostética, como o que se assemelha à Estética
abre-a carnavalescamente para a artephysis.
“...(?)
A lógica da transformação é a tecno-eco-bio-lógica – não há «verdade» ou «essência» se não for em transformação (ou devir), não há «espiritualidade» ou qualquer designação (banal ou sofisticada) deste género senão metamórfica. O que desautoriza, para começar, toda a genuína caça a conceitos estanques ou a uma ordem divina. Mesmo em Hegel, Heraclito ou Nietzsche e seus sucessores dilectos e dialécticos – por isso não há nenhum «livro» de Heraclito e o estilo fragmentário de Nietszche, mesmo no Zaratrusta, é o do vislumbre intersticial, o de tentar agarrar cada coisa num determinado momento. As generalizações (estamos a ser nominalistas?) sabem sempre a exagero e a fraude, por mais que alguém se convença soberanamente da honestidade do fio das proposições. É o que se passa aqui, mas com esta ressalva burlesca. É através desta desconfiança lírica relativamente ao que escrevemos que encenamos o que se chamam teorias – projectamo-las no «mundo» e o «mundo» que as acolha com simpatia ou antipatia. Por isso todos os resguardos, todas as aspas, todos os parênteses & reticências desaguam estilisticamente como uma desconfiança doce que nos complica o estilo. Há porém a geometria e a parafrenália topológica como cartografia que acena para esquemas tão cara aos pitagóricos e platónicos e adoptada pela ciência com êxito. Mas os esquemas são a hipotética armadura da interacção das coisas, não as coisas em trânsito. A arte reúne em si, mesmo quando se rende à informalidade, esta fome metamórfica e transitiva a que não são insensíveis as gimnásias geométricas.

O que podemos fazer(?):

a) Insinuações teóricas (intuitivas ou com uma armadura tautológica por trás, mas sempre lúdica e contrainductiva)
b) Catalogar dispositivos formais, metafóricos e conceptuais (com prudência pouco chinesa e um coleccionismo de tipo warburgiano)

Podemos propor, com cautelas e um sentimento esquisito de desconfiança quanto aos fundamentos, colecções de afinidades e variações. Podemos serializar , ou então namorar «protótipos», não como matrizes, mas como formas obscessivas que marcam uma teatralização – no fundo trata-se de erguer «algo» com cimentos raros ou músicas canibalisticas.
O lema é platonização sintética do Carnaval: isto é, uma versão condensada e festiva da já longa tradição da dissolução da metafísica – não se trata aqui nem de superá-la, nem de suprimi-la, nem de lhe dar alternativas, mas de entender que o estado «revolucionário» (o progresso tecno-mimético) passa por exageros paródicos com correspondentes acalmias e discretos estados contemplativos e revigorantes (a meditação é o sono que descansa para a orgia). A carnavalização é o antídoto das imaterializações, graças ao insensato (embora algo ébrio) primado da carne sobre a perturbada inflação do suposto Logos. É a exuberância mimética que garante uma ética que não é fundada sobre algum princípio lógico-dedutivo, ou metáforas como casa ou construção. A ética é a alegre co-habitação, genuína, com as tristezas, sem os ressentimentos ou desconfiança mútua: a ilusória confiança recíproca... mesmo que dure o que durar.

Há uma citação de fundo (ou será um equívoco de leitura?) que diz que a «natureza é um carnaval divino». Ou traduzindo: a natureza diviniza-se mascarando-se. A natureza é divina porque se mascara. Ou, o carnaval é o modo como a artephysis avança para uma interacção mais rica e fluida. Por isso as metamorfoses são o cumprimento de um itinerário de máscaras sucessivas, que não ocultando algo estanque ou original (autentico) dissimulam no entanto um filão metamórfico mais sensível que se serve das metamorfoses mais externas como forma de progressão (ou diminuição) estratégica.



Como é que podemos ser radicalmente «nominalistas» sem desistir da intuição de que algo tremendamente imanente garante a interacção e algum parentesco entre tudo o que nos parece ir existindo?
Produzir em todas as áreas até espremer o suprasummo de toda a postiçagem lírica. Penetrar no âmago intra-heteronómico – na meta-representação (que incluí quer a expressividade quer as contra-representações). Ser mais plural que os pluriversos.


Barrocos (enquanto o formos estrategicamente e tenhamos esse sentimento como necessidade) por escusada densidade e mister antropomórfico-zoomormo-biomorfo (à laia de despachamento). Penetrar com sobreabundância no ruído das trevas e sair à luz mais sensual. E averbamos o barroco como um velho canto barraqueiro. Esculápiamente: isto é: no modo mais que saudável: onde a extrema saúde entra em contacto com o suposto «divino».


- Na despreocupação do gosto (ou desgosto) seremos prolíficos (a extrema produtividade concentra-se porque lhe pre-existe uma divina preguiça).

- Não nos concentraremos na valorização de qualquer fórmula (mágica, mas dogmática) mas arrastar-nos-emos ginasticando num superestudo que abastece as zonas várias de onde se desentranha a muy hedónica teoria.

Revolução patafísica/panteísta e de chã desdizer.

Navegamos sofismando como quem desentranha sibilinas saladas. Desfazemos os sofismas com a candura mais terna e tenra – damos as mãozinhas ao acaso. Celebramos abruptamente.

A crueldade (conceptual, sem correspondentes sadismos) algo adâmica e argilosa está no sermos herdeiros abastardados das velhas oficinas dadaístas-cínicas-tantricas.

Queremos chegar obstinadamente a uma sprezzatura soberana, onde o rústico, o desdenhoso e o grafítico se compõe heraclitianamente com o severo e o clássico.

Adaptando o fragmentário, mesmo que burro, como algo que corre ao mesmo tempo para os deuses e para a retrete.

Começa aí o afoitar dos espelhos, os namoros aos números e às artes combinatórias, mas sobretudo o que lhes sobra. Tudo se entranha em prólogos oraculares. Queremos trespassar incandescentemente as possibilidades da nomeação.

E as vacas sagradas desabavam assim por desdizer do caos musical dos antecismos e das metacatástrofes – há algo epidermicamente mímico nesta lógica de assimilação das legiões de percursores como se uma catarata fosse despejada subitamente dentro da nossa cabeça. Percebemos que os ilustres mortos que nos precederam nos fazem menos eternos e mais longevos.

Um ícone é onde se concentram os fragmentos de muitas Doxas – é a nossa condição, partilhável com tantos outros cidadãos, de uma superurbanidade periférica. As grandes metrópoles tornaram-se obsoletas e provincianas. O mundo fervilha mais no interperiferismo das cidades de grande dimensão do que nas excessivamente e provincianamente grandes, como Londres, Nova Iorque, Paris, Moscovo, Pequim, Tóquio, etc. Morram as saudades dos imperialismos económicos e culturais!


Seria idiota não nos referirmos às características académicas e comunalistas do estudo... estamos atentos às mutilações que se propõe em redor. À medida que vamos crescendo, dilacerados, no seio da brilhante Doxa (e do Cânone Perpétuo da Obscuridade) também vamos varrendo a técnica para debaixo do tapete, porque o nosso corpo (e as suas competências) é uma acumulação de cada vez mais produtivos softwares. As performances são cada vez mais cândidas, mais naturais, embora possam parecer bizarras e desengonçadas.

Na floresta cardíaca da criação inerente a cada um (e não pastável por todos os idiotas das redondezas) reside esse dilúvio cristalino (e assassino?) de serenidade? O perverso Buda medita invertido e do topo da cabeça saiem-lhe rios de meta-museus que se expandem pela superfície poluída da terra.

As dúvidas crescem espinhosas como que desperguntadas. As perguntas são filosoficamente amadoras e pedem geometrias neo-platónicas para compor o ramalhete. As dúvidas intra-multiplicam-se... recomplicadas.

Há uma re-ordem nova? Balelas! há antes uma re-organização-desorganização que é mais work-in-progress do que o universo e que antecede qualquer demiurgia. Qual é a pulsação pela qual escreve o homem que começa a saborear as primeiras palavras e se despede dos últimos grunhidos? Mesmo antessáfico ou protohomérico ou pré-zoroástico. Qual a pulsão larvar que torna as palavras propensas a tantos crimes?

Acompanhamos os passos da artephysis com uma improvisada e sexualizada geometria que nos dá a sensação de que a metafísica é inenarrável e arrítmica.

A criação move a sua condição de verme na direcção das pluralidades e não na da aparente dissolução. Esse é o subterrâneo mito que engendra todas as mães, matrizes e falsos protótipos – as deusas têm frequentemente o ar esquizóide de uma mãe em pranto. Querem-nos esmigalhar nos seus poderes demasiado ternos e maternos.



Habitamos in loco o fogo que se distribui em variadíssimos ofícios, desde as implosões vegetarianas aos contorcionismos labirínticos da massa cinzenta dos geniozinhos da humanidade. Vegetamos arredondadamente nos arredores desses circuitos – a nossa consciência é menos a estabilidade da matéria do que uma interface entre emergências neurológicas.

Deus foi o famoso erro anatómico que permitiu angariar metáforas e sofisticar teologias, assim como validíssimos e perniciosos exercícios de humilhação. O seu legado perverso, tal como o legado perverso da filosofia, é um borbulhar morfológico de tensões e delicadezas que é reciclável num sentido mais natural, exaltante e plural – talvez volte a ser errado e errático, mas sem uma inconsciente função assassina.

Os paradoxos fazem vibrar os ossos. A ruína é a quintessência do fluxo, o fragmento a escória que sobra a esse agitado banho, o remix, o culto sincrético de uma civilização que se hiper-tecnologizou até à medula – caminhamos neste preciso momento para uma remixagem genética radical – os sincretismos e a hibridação das categorias das espécies tornam o monstruoso e o proteico plausíveis e não objectos desdenháveis como o assegurava Horácio. O sincretismo tem tendência a tornar-se ortodoxia e a falsificar o seu carácter ocasional através axiomas repressivos.


Bandeiras abandonadas revivem a sua coerência no espólio invicto, nas arqueologias, com saudosismos à mistura, de revoluções há muito passadas. As citações ganham referências novas não apenas na premeditada apropriação (da escolásticas ou do foucault-benjaminismo) mas nos erros (brandos & crassos) do seu uso. O passado é para ser selvaticamente (contrainductivamente) traduzido-transmutado. A metáfora é o coração do Transmutante (o dispositivo mais básico de uma predação sibilina). Os clássicos aguardam contratraductores sem escrúpulos fidelizantes. Desviamo-nos do remix como de um véu de clichés fácilmente identificáveis no calção especializado dos caldos culturais. A associação vertigina-se e os cossacos uivam. Um Zero exuberante e corrupto potencializa-se no pavoneamento de emergências perpétuas.

Restituição ao vivo da antes utópica mascarada triunfal: aspirar e inspirar os mistérios info-matéricos, aceder, pela primeira vez, a uma era feminizada, miscigenada e globotópica.

O predomínio antropológico da predação troglodita pelas esferas espumantes do novo e da produção pseudo-nómada esbarra nos fantasmas da obsolescência e do tédio, mas algo sobra às divas epigonais para as quais olhamos canibalisticamente de soslaio.

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