Saturday, August 05, 2006

doçura ascética

A frase de abertura da novela Budonga diz algo assim «entrou em mim uma doçura ascética». A doçura ascética contrapõe-se à eternidade-vaca. A história de Budonga abre o caminho para algumas tentativas de PORNOECOLOGIA. Mas há uma história de Manuel João Vieira que precede, como clima de inspiração, Budonga. O texto não tem título. KNOSSOS? O texto de M.V. é um texto terrivelmente pornoecologico. Eu vi Vieira escrevê-lo numa espécie de transe em casa da minha mãe. Os olhos reviravam-se e o escritor babava-se. O texto é «adolescente», fragmentário, descontínuo. Entre o Decameron, o Mickey Spilane e um texto surrealista. A vegetarianização do pensamento (ou o desejo de nomadização dos vegetais) está aí presente num diálogo:

Enquanto uns fazem a sesta, outros filosofam:

– “És um velho imbecil, Heraklion!És um recalcado, um egomaníaco depressivo, a tua sisudez é feita de sacrifícios estéreis, és estéril, chato, saem-te arbustos das costas, e folhas do nariz. Além disso, és verde. Estás cada vez mais vegetal e as tuas teorias criam caruncho. Hão-de apodrecer ao sol brilhante de uma nova era em que as borboletas voem sem cinto de segurança.”

– “Podes falar, eucalipto, mas não podes negar que a tua aparente volúpia é feita de tijolos de concreto. És desleal, pois eu fui o teu mestre e um bom pupilo não se revolta contra o seu professor. Sou bem mais douto do que tu. Rio-me das tuas transmutações alquímicas, que só conseguem excitar as mentes de uns escassos mentecaptos de luxo, que não tiveram suficiente carinho na infância. É verdade que sou verde mas tu és castanho e, como eu, estás pegado ao chão por bifurcadas raízes. Do teu cabelo, que parece um emaranhado de lentilhas, surgem setas de várias cores, mas cada um aponta para um lado. És feio, Eucalipto.”


Nisto surge Gabriela. Ouvindo a discussão começa a despir-se.

– “Que é isto?!” – dizem os filósofos em uníssono.

Gabriela brinca com os seus opulentos seios e exibe escandalosamente o seu entre as pernas.

– “Raios!” – diz Heraklion (ou Hetaklion?) – “Tenho de fazer qualquer coisa!”

– “Mas o quê?” – diz Eucalipto – “Estamos presos pelas raízes da nossa própria sabedoria.”

– “Porque é uma sabedoria cretina.” – diz Gabriela – “Apesar de todo o vosso saber, não podem sair daí e vir cumprir o vosso papel natural.”

– “Bolas, Heraklion! Arranquemos estas raízes que nos prendem!”

– “Impossível, meu colega. Estamos deveras presos.”

O coro: – “Amo esta mulher. O seu corpo de curvas subtis esvoaça com leveza e o seu cabelo tem ondas como o mar. Navego. Navego no seu olhar de uma luz infinita e sinto cada vez mais perto a eclosão do caos. As suas apetecíveis coxas brilham ao sol e reflectem o meu rosto deleitado de tanto respirar e cheirar essa mulher.

1 comment:

TZ said...

confesso:
copiei umas frases daqui para ali